“Ouvistes
que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, vos
digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem.” Mateus 5.43-44
Talvez ao considerar temas atuais
cometamos sérios riscos em sermos rasos em nossa abordagem em razão de estarmos
trabalhando num tema ainda em desenvolvimento ou mesmo estejamos concebendo
argumentos não muito conclusivos para uma futura abordagem crítica em anos
posteriores, depois que todas as conclusões forem observadas e consideradas sem
nenhuma emoção. Porém, entendo que é função da igreja não ser parcial em
momentos críticos. Os gigantes de nossa fé em tempos passados nunca foram
parciais em suas considerações, pelo contrário, eles estavam, à medida que os
fatos ocorriam, se posicionando e isso de forma conclusiva. Suas opiniões mesmo
hoje em dias atuais são endossados por uma sobriedade imensa, mesmo depois de
todas as considerações de historiadores com opiniões mais diversas, seus
posicionamentos ainda hoje nos ajudam a caminhar seguros, tendo a certeza que
tais homens honraram sua vocação.
Tenciono com a minha consideração de
hoje falar acerca de um tema que recentemente tem ocupado lugar de proeminência
na mídia em geral, o dilema dos refugiados. Refiro-me ao fato de que ondas cada
dia mais intensas de homens, mulheres e crianças buscarem abrigo em países
ocidentais. Esses, em sua maioria de origem síria[1],
buscam oportunidades de entrarem na Europa, bem como alcançar países como os
EUA onde possam levar adiante suas vidas.
É perfeitamente compreensível que
assim seja em razão da terrível guerra civil que acometeu aquele país e que
ainda hoje tem contribuído com terríveis consequências para aquela população de
um modo geral. Forças contrárias ao presidente Bashar al-Assad, durante o
período que foi considerado a “primavera árabe” no ano de 2011, tentaram
removê-lo do poder e isso fez o país ser abalado com um fenômeno apenas
comparável, em número de pessoas deslocadas com a segunda guerra mundial. Países
do norte da África também engrossam esses números, mas estes com motivos
diferentes dos sírios em geral pela crise humanitária e pela falta de recursos
básicos para a população.
A Europa é um continente com uma
população envelhecida. Setores como indústria, comércio e serviços, necessitam
de uma mão de obra que seja prioritariamente jovem e os refugiados de países em
crises humanitárias se qualificam neste particular. Resolve-se o problema da
economia, mas por outro lado, intensificam-se os problemas étnicos e
sociológicos. A Europa em seu avançado processo de secularização e abandono do cristianismo
há muito espera ver-se livre da religião. Entre os muçulmanos, extremamente
práticos e fervorosos em suas crenças, isso seria impensável. Os embates
culturais nesse quesito religioso é inevitável. A Europa ao abrir suas portas
para um mundo “multi-cultural”, choca-se frontalmente com os projetos de
“Jihad”[2]
dos islamitas, que considera a expansão do islamismo ou pela conquista ou pela
guerra uma de suas principais prioridades. Nesse contexto podemos listar o
florescimento de visões radicais do islã como “Estado Islâmico” que tem um
forte apelo entre os jovens. Muitos deles nascidos na Europa, mas com desejo de
lutar pela Jihad, principalmente por se verem excluídos das políticas públicas
dos governos europeus e considerados cidadãos de segunda classe, por não
fazerem parte dos valores continentais.
Diante disso gostaria de considerar como
a igreja de Cristo pode contribuir numa reflexão que visa buscar soluções, no
sentido de analisar biblicamente as implicações multi-culturais em que estamos
submetidos. Qual a melhor forma de sermos missionais no alcance desses povos
que a cada dia estão mais perto de nós, pois também o governo brasileiro tem um
projeto de aceitação de refugiados sírios e de outras nacionalidades, muitos de
origem muçulmana. Busquemos isso através das seguintes considerações:
Os
muçulmanos são nossos inimigos?
Se analisarmos friamente a questão
seremos forçados a deduzir que os islâmicos são uma ameaça para a fé cristã,
pois desde as cruzadas na idade média, ou mesmo antes disso, o islamismo
soterrou tradições seculares de cidades e países cristãos. Recentemente grupos
como o Estado Islâmico em sua divulgação midiática mostrou a extrema
intolerância para com a diversidade religiosa, assassinando cristãos e exibindo
a carnificina de modo triunfante. Sim, respondendo a pergunta de modo frio,
eles são inimigos da fé cristã nesse particular. Mas existe um lado desse
embate que precisamos considerar, a mesma Bíblia que fala dos inimigos do
Evangelho é a mesma que menciona o amor aos inimigos.
Foi no contexto de como tratar o nosso
próximo que o Senhor mencionou a parábola do bom samaritano (Lucas 10.25-36). Na
parábola somos informados que o samaritano, um povo inimigo dos judeus, auxiliou
um homem que provavelmente era um judeu, após esse ter sido espancado e
assaltado, ficando a beira da morte. A ênfase na parábola não reside somente
nas boas ações do samaritano ao cuidar e prover para o homem, mas no fato de
aqueles que eram ligados a verdadeira religião, o sacerdote e o levita terem “passado
de largo” diante do sofrimento do homem. Evidentemente tal ênfase tencionava
mostrar que as ações de alguém odiado como o samaritano, seriam consideradas
como se fossem essas pertencente ao povo eleito, pois eram dignas do evangelho,
ainda que o contexto não mencione doutrinas como a justificação, eleição ou
santificação do samaritano. Para o Senhor as ações desse homem revelam o real
entendimento do Evangelho como amor ao próximo e aos inimigos, logo servem de
referência para nós no tema que estamos abordando.
Não importa tanto se eles são capazes
de nos matar. O Senhor espera uma postura distinta nos cristãos. Aqui não estou
questionando o direito à guerra legítima, fato que já estive abordando aqui em
outra ocasião, mas como reagirmos diante daqueles que não conhecem coisa alguma
senão a linguagem do ódio. Eles foram ensinados que deveriam reagir aos
cristãos, odiando seus valores e condenando tudo o que tivesse uma conotação
cristã. Nos países cristãos podemos mostrar que ações pautadas nas Escrituras
realçam o verdadeiro Evangelho. Logo, não devíamos evitar o confronto, mas
estarmos dispostos a “correr” certos riscos para vermos nossa obediência ao
Evangelho sendo posta em prova.
Os
valores ocidentais estão sendo ameaçados
Entendo que o avanço islâmico sobre a
Europa é até irreversível. Na realidade o envelhecimento da população europeia,
contrastando com a alta taxa de natalidade dos islâmicos tende a fazer com que
os islâmicos sejam mais bem sucedidos, em longo prazo, no sentido de sepultar a
cultura ocidental em alguns anos. Além do fato do estabelecimento secular da
sociedade europeia contribuir diretamente para o seu declínio em poucas
gerações.
A não ser que algo seja feito para
reverter esse quadro e isso seria um movimento soberanamente administrado pelo
Senhor e não produzido por homem algum como um reavivamento, a situação da
Europa é deveras preocupante. Logo, usar essa desculpa para exterminar os
inimigos do ocidentalismo não é suficiente. Só posturas que tem a ver,
sobretudo, com o retorno da religiosidade dos europeus para os valores cristãos
poderiam frear o avanço islâmico. As armas podem até fazer algum efeito, porém,
não produzirão grandes resultados. Em minha opinião é necessário que aqueles
que ainda guardam fidelidade ao Senhor em solo europeu, busquem viver o
evangelho de forma plena, de maneira que isso possa ser aprovado por Deus. Quem
sabe com isso, no futuro, tenhamos um derramar de Deus sobre os europeus e
também sobre os refugiados.
Alguns bons exemplos disso está
ocorrendo na Alemanha. Recentemente em uma reportagem do portal Gospel Prime,
relatou o crescimento da igreja alemã contando principalmente com pessoas
provenientes de países muçulmanos. Esse quadro pode significar uma mudança de
rumo no cristianismo europeu, mas também pode não ser garantia alguma de que
seja algo concreto. O fato é que o Senhor continua a usar o Evangelho para
mostrar a sua graça a povos excluídos, como são no momento os refugiados na
Europa. Ainda que o continente lhes abra as portas, ainda assim são vistos como
povo de segunda classe, uma mera força econômica que ajudará a Europa a avançar
economicamente.
O
papel da igreja para com os refugiados
Várias ações podem ser desenvolvidas
no sentido de glorificarmos a Deus em um empreendimento missionário que tenha
como foco os refugiados. Analisemos quais dessas ações podem ser feitas:
1. Proclamar o
Evangelho aos refugiados. Muitas dessas pessoas seriam inacessíveis se elas
continuassem a residir em seus países. Geralmente muito fechados no contexto
religioso, pois contam com uma rede interminável de observadores que perseguem
os cristãos de modo a leva-los a tribunais, desestimulando os cristãos em
proclamar a fé nesses locais. Ao virem para países cristãos essas pessoas são
mais suscetíveis à proclamação, pois essa rede de observadores não tem o mesmo
efeito. Mesmo a perseguição é diminuta, pois isso só ocorreria em seu grupo
étnico e não afetaria completamente os novos convertidos.
2. A preparação
de missionários para o envio aos seus países de origem. Ainda que saibamos que
ao enviar missionários cristãos a países de origem muçulmana seja praticamente
inviável, aqueles que são da mesma origem racial desses países seriam mais
efetivos em suas ações nesses países. Pessoas identificadas com a cultura
ocidental teriam dificuldades de adaptação nesses lugares, bem como, seria logo
identificados, sendo alvo fácil para a perseguição dos nativos. Aqueles que
forem preparados para retornar ao seu contexto podem muito bem sofrer
perseguições semelhantes, mas serão mais efetivos em curto prazo, podendo dessa
forma implantar a semente do evangelho mais prontamente. A preparação acadêmica
desses irmãos depende do empreendimento dos mestres que existem em nossa
cultura, que devem ser sensíveis a um contexto tão amplo e desafiador.
3. O envolvimento
social da igreja. As igrejas também podem se envolver de modo a contribuir com
o governo e outras organizações no sentido de dar assistência aos refugiados. A
prática cristã, sem dúvida alguma, é melhor exercida no dia a dia, submetendo o
evangelho que cremos a testes diários de rejeição e indiferença. Sentimentos
que nos fazem ter a certeza de que enquanto existir a oposição existe ainda
muito campo para se trabalhar.
4. A promoção de
uma cultura de paz. Os cristãos não deveriam engrossar o discurso racial
fervoroso desses certos movimentos “ultra nacionalistas”. Ainda que isso possa
ser confundido com zelo pela cultura e ideologias aceitáveis, eles inflamam
nossa conduta para com o nosso próximo e certamente nos impede de pormos em
prática os princípios cristãos de amor ao próximo e ao nossos inimigos.
Nossa
conduta revelará a nossa compreensão do Evangelho
Finalmente, não podemos nos silenciar
diante de mundo em tão grande queda. Deus nos tem chamado a vivermos o Evangelho
com todos os desafios e dificuldades em nossa geração. Assim como em outras
épocas, os cristãos atuais precisarão se pronunciar diante desses desafios.
Devemos fazer isso não somente porque é um tema atual, mas porque pessoas estão
morrendo em travessias perigosas pelo mar. Estão se radicalizando em guetos das
grandes cidades europeias e se tornando terroristas e isso tudo debaixo dos
nossos olhos. Enquanto tentarmos tão somente nos proteger isso não nos fará
levarmos o evangelho as suas consequências missionais. Viver conforme os
princípios do Evangelho são nosso desafio para hoje e para qualquer época. Que
não sejamos omissos com respeito a nossa responsabilidade, amém.
[1]
Estima-se que algo em torno de 11 milhões de sírios buscam refugio atualmente.
[2] Jihad é um termo árabe que significa
“luta”, “esforço” ou empenho. É muitas vezes considerado um dos pilares da fé
islâmica, que são deveres religiosos destinados a desenvolver o espírito da submissão
a Deus. O termo jihad é utilizado para descrever o dever dos
muçulmanos de disseminar a fé muçulmana.
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