sábado, 1 de outubro de 2016

A piedade em face da oposição


Há contra a igreja, inúmeros inimigos que lhe ameaçam. As armas desse inimigo são por vezes ideológica, quando de maneira sagaz usa leis, revesses culturais, opinião pública entre outros meios, ou mesmo flagrante oposição, quando em nome de uma “pureza religiosa” persegue-se abertamente os cristãos, com limpezas étnicas ou religiosas. Nesses anos sangrentos a igreja pode ser enfraquecida, mas também nesses momentos pode constatar os propósitos redentores de Deus em preservar a igreja, fazendo-a multiplicar apesar das oposições infernais.

O livro do profeta Daniel, um dos mais importantes desse gênero literário[1], mostra como Deus preservou uma semente santa em seu povo no A.T. mesmo no exílio. Deus era o autor da punição do exílio que baniu Judá e Israel da Palestina. Nessa região ficaram apenas o povo rude e sem conhecimento, enquanto que os nobres foram transportados para a Babilônia e os guerreiros mortos na guerra. O livro demonstra como Deus continua a abençoar esses nobres que o temiam, especialmente ao enfocar o próprio Daniel e seus amigos Hananias, Misael e Azarias (Sadraque, Mesaque e Abede-Nego). O livro é didático ao mostrar como Deus os preserva do falso culto, dos inimigos e do abandono da fé de seus pais. Mesmo jovens, foram responsáveis por uma fé viva e atual em uma terra hostil a vida piedosa.

Daniel reveste-se de maior importância quando comparado com seus amigos, pois, ele tinha livre trânsito tanto durante o império babilônico com os monarcas Nabucodonosor e Belsazar, filho do primeiro (Dn 5), como também durante o império Medo-Persa. Daniel havia sido consagrado como o chefe dos magos e videntes no império babilônico e no império medo-persa sua função parece ser mais política e administrativa. Seja como for, esse homem havia sido honrado em uma terra hostil e se destacado, mostrando que também podemos manter nossa piedade e não necessitamos nos corromper com os atrativos seculares.

Hoje, proponho considerar como podemos também nos dispor a lutar contra uma cultura cada dia mais hostil a aquilo que defendemos. Como podemos, com o nosso compromisso cristão, lutar contra as forças contrárias que podem ser tanto ideológicas como flagrantes em sua oposição a fé cristã. Nesse livro teríamos muito a mostrar ao considerar esses homens, porém, nos ateremos em Daniel, pois esse capítulo ilustra claramente sua insistência em se manter fiel e como o Senhor abençoa a fidelidade de seu povo de forma graciosa.

Não vivemos uma posição flagrante como em países estrangeiros como Síria e Iraque, onde os cristãos estão sendo mortos por sua fé, mas precisamos atentar pela perseguição ideológica que veem sendo empreendida na mídia, sociedade e política. Observemos a partir do exemplo de Daniel como podemos ser fieis a Deus em uma cultura hostil a fé bíblica.

Daniel se opôs a oposição com a piedade da seguinte forma:

Testemunhando corajosamente
É possível se manter fiel em ambientes que, em muitas ocasiões, podem ser hostis aos cristãos. Daniel, certamente, não concordava com todas as práticas dos impérios babilônico e medo-persa, mas entendia que estava em posições exaltadas atendendo um mandato divino. Vejamos como esse homem testemunhou corajosamente sua fé:

Daniel permanece em destaque (vv.1-3) – Deus muda o império, mas este homem de Deus permanece em destaque. Anteriormente ele havia sido nomeado chefe supremo de todos os sábios da Babilônia durante o reinado de Nabucodonosor (Dn.2.48). Esse cargo, apesar de ter uma conotação espiritual, também tinha implicações políticas, pois também Daniel era governador. Mas aqui (vv.1-3) nós o vemos constituído como um dos “presidentes”. Segundo Grotius, que faz um paralelo com uma função semelhante chamada de “præfecti prætorio”[2] no  império romano, Daniel era uma espécie de alto funcionário onde se prestava contas acerca de questões comercias e de interesses do reino. Toda essa capacidade não vinha de Daniel, mas de Deus, que lhe dotou de um “espírito excelente”.

 Daniel é perseguido (vv.2-5) – Não podemos afirmar a razão pela qual Daniel é perseguido pelos sátrapas e presidentes, mas, conforme percebido em todo o contexto isso tinha haver com sua religião. A xenofobia não é algo rescente[3], os tempos bíblicos provam isso. Daniel havia sido posto em um cargo que despertava cobiça, ele era uma ameaça aos seus inimigos, ou inimigos de Deus. Eles procuram algo contra ele na lei local e não encontram, buscam na Lei de Deus e também não encontram. Será que se essa inquirição fosse empreendida contra nós teríamos o mesmo testemunho?

Enfrentando a malícia dos medos e dos persas 
Alguns detalhes da consecução dessa lei precisam ser considerados aqui, pois vejamos:

Um empreendimento unânime (vv.6-7) – O texto narra que há um comum acordo entre os administradores do império no intuito de formular uma lei no intuito de atingir todos os judeus piedosos. Essa lei não atingiria apenas a Daniel, mas a todos os judeus contrários ao culto idólatra. A proposta desses homens vem cheia de bajulações, tencionando não somente conquistar o favor do rei, mas, sobretudo, aniquilar a influência de Daniel. Tal lei nos lembra de que atualmente muitas outras leis são feitas no sentido de atingir uma parte de uma população e consequentemente destruir os valores cristãos. Nossos dias enfrentam uma situação bem similar e precisamos considerar detidamente o empreendimento dos ímpios nesse sentido.

 Uma lei irrevogável (vv.8-9) – A lei em questão parecia dar ao rei um caráter de perfeição de sua divindade. Uma lei irrevogável parece ser algo que é ratificado por uma perfeição própria de um Deus. O contexto nos apresenta algo típico dos reis antigos, uma reivindicação divina. Logo, os administradores queriam, com essa lei, não somente exaltar o rei, mas perseguir aqueles que não fossem seguidores do rei. Com isso buscavam atribuir a Daniel a acusação de traição.

Os cristãos, em todas as épocas, são acusados de não viverem de acordo com a maioria. Seus conceitos são vistos como incongruentes com as normas aceitas por todos os “civilizados”. Essa tem sido a forma dos inimigos da fé apanharem o povo de Deus. Em nossos dias a mesma artimanha tem sido empreendida. Ela continuará a ser disposta até o último dia, pois tem sido eficaz no sentido de nos reduzir a uma subcultura.

Sendo fiel até a condenação 
A resposta de Daniel (vv.10-16) – A forma que Daniel agiu diante da lei é a única que tem efeito eficaz, a oração. Ele poderia ter lutado para mudar as leis, mas ele também sabia que seria voto vencido, por esse recurso não foi o último e sim o primeiro.

Sua postura em face da oposição também demonstra o caráter desse homem, pois não se acovardou, mas santamente buscou aquilo que lhe distinguia o testemunho de um homem compromissado com o seu Deus. Sua vida piedosa não podia esperar o momento propício, logo, um cristão verdadeiro deve também fazer o mesmo, testemunhar mesmo em condições adversas.

O rei tenciona salvar Daniel, mas a lei que ele próprio assinou era irrevogável e Daniel seria capturado para ser apenado por sua transgressão.

Daniel é lançado na cova dos leões (vv.17-18) – A condenação sentida por Daniel é algo similar a todos aquelas que os verdadeiros crentes têm de passar, o silêncio das ideias e das ações piedosas. O mundo fala de tolerar os desfavorecidos, mas apenas os cristãos precisam e devem ser calados. Falam de amor, mas isso deve ser destinado àqueles que amam as coisas que eles amam. Daniel é lançado na cova dos leões, mas as feras mais selvagens ele enfrentou antes de entrar lá, seus opositores. Assim como nós, que devemos nos preparar para as oposições confiando no Senhor, sendo praticantes de uma fé vívida como foi a fé de Daniel.

Sobrevivendo aos leões pela graça de Deus 
Percebamos que os fatos relativos ao milagre, propriamente dito, têm algumas aplicações importantes para nós, vejamos:

A intervenção divina (v.23) – Em momentos críticos o Senhor nos acode de forma especial. Daniel relata a Dario, que Deus enviou anjos para fechar as bocas dos leões. Isso ocorreu por causa da postura de Daniel diante desses homens ímpios. Ele havia resolvido confiar em Deus, mesmo sabendo da possibilidade de perder a própria vida, logo este propósito não seria desconsiderado pelo Senhor.

A punição daqueles homens (v.24) – O rei tinha se afeiçoado a Daniel. Ele entendeu que a ação dos seus governadores tinha sido forjada no intuito de apanhar Daniel. Ele então, resolve puní-los entregando-os aos leões. Não somente eles, mas todos os seus.

Uma prosperidade continuada (vv.25-28) – Assim como fora nos governos de Nabucodonosor e Belsazar, seu filho. Daniel foi preservado durante o governo do rei ímpio Dario. Não somente ele não sofreu dano, mas o próprio nome do Senhor foi exaltado em razão de seu testemunho (vv.26-27). O verdadeiro cristão usa esses momentos adversos para promover a glória Deus. Ele entende que essas ocasiões são momentos decisivos para mostrar quão glorioso é o Senhor sobre Seus adversários. O testemunho de Daniel tornou-se instrumento de Deus na promoção de Sua glória.

Temos experimentado momentos tão graves quanto aqueles. Talvez não sejamos lançados em covas com leões, mas estamos também sendo exigidos por Deus em nosso testemunho. Será que realmente podemos ser aprovados por Deus quanto a isso e também recebermos o juízo de que em nenhuma lei justa somos apanhados. Será que podemos, como cristãos modernos, sermos reputados como homens que “não tem defeito algum?” Daniel testemunhou de forma dramática a nossa fé. Talvez não cheguemos a esse nível fisicamente, mas é nos exigido o mesmo empenho muitas vezes de forma psicológica ou ideológica. Que saibamos o que o Senhor se agrada e busquemos fazer a Sua vontade, por de Cristo o nosso Senhor, amém.




[1] Literatura profética. Daniel é considerado um profeta maior
[2] http://biblehub.com/commentaries/daniel/6-2.htm
[3] Aversão a estrangeiros, por causas culturais, hábitos e religião.