terça-feira, 30 de agosto de 2016

Refugiados, um assunto indigesto em um momento crítico


“Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem.” Mateus 5.43-44

Talvez ao considerar temas atuais cometamos sérios riscos em sermos rasos em nossa abordagem em razão de estarmos trabalhando num tema ainda em desenvolvimento ou mesmo estejamos concebendo argumentos não muito conclusivos para uma futura abordagem crítica em anos posteriores, depois que todas as conclusões forem observadas e consideradas sem nenhuma emoção. Porém, entendo que é função da igreja não ser parcial em momentos críticos. Os gigantes de nossa fé em tempos passados nunca foram parciais em suas considerações, pelo contrário, eles estavam, à medida que os fatos ocorriam, se posicionando e isso de forma conclusiva. Suas opiniões mesmo hoje em dias atuais são endossados por uma sobriedade imensa, mesmo depois de todas as considerações de historiadores com opiniões mais diversas, seus posicionamentos ainda hoje nos ajudam a caminhar seguros, tendo a certeza que tais homens honraram sua vocação.

Tenciono com a minha consideração de hoje falar acerca de um tema que recentemente tem ocupado lugar de proeminência na mídia em geral, o dilema dos refugiados. Refiro-me ao fato de que ondas cada dia mais intensas de homens, mulheres e crianças buscarem abrigo em países ocidentais. Esses, em sua maioria de origem síria[1], buscam oportunidades de entrarem na Europa, bem como alcançar países como os EUA onde possam levar adiante suas vidas.

É perfeitamente compreensível que assim seja em razão da terrível guerra civil que acometeu aquele país e que ainda hoje tem contribuído com terríveis consequências para aquela população de um modo geral. Forças contrárias ao presidente Bashar al-Assad, durante o período que foi considerado a “primavera árabe” no ano de 2011, tentaram removê-lo do poder e isso fez o país ser abalado com um fenômeno apenas comparável, em número de pessoas deslocadas com a segunda guerra mundial. Países do norte da África também engrossam esses números, mas estes com motivos diferentes dos sírios em geral pela crise humanitária e pela falta de recursos básicos para a população.

A Europa é um continente com uma população envelhecida. Setores como indústria, comércio e serviços, necessitam de uma mão de obra que seja prioritariamente jovem e os refugiados de países em crises humanitárias se qualificam neste particular. Resolve-se o problema da economia, mas por outro lado, intensificam-se os problemas étnicos e sociológicos. A Europa em seu avançado processo de secularização e abandono do cristianismo há muito espera ver-se livre da religião. Entre os muçulmanos, extremamente práticos e fervorosos em suas crenças, isso seria impensável. Os embates culturais nesse quesito religioso é inevitável. A Europa ao abrir suas portas para um mundo “multi-cultural”, choca-se frontalmente com os projetos de “Jihad”[2] dos islamitas, que considera a expansão do islamismo ou pela conquista ou pela guerra uma de suas principais prioridades. Nesse contexto podemos listar o florescimento de visões radicais do islã como “Estado Islâmico” que tem um forte apelo entre os jovens. Muitos deles nascidos na Europa, mas com desejo de lutar pela Jihad, principalmente por se verem excluídos das políticas públicas dos governos europeus e considerados cidadãos de segunda classe, por não fazerem parte dos valores continentais.

Diante disso gostaria de considerar como a igreja de Cristo pode contribuir numa reflexão que visa buscar soluções, no sentido de analisar biblicamente as implicações multi-culturais em que estamos submetidos. Qual a melhor forma de sermos missionais no alcance desses povos que a cada dia estão mais perto de nós, pois também o governo brasileiro tem um projeto de aceitação de refugiados sírios e de outras nacionalidades, muitos de origem muçulmana. Busquemos isso através das seguintes considerações:

Os muçulmanos são nossos inimigos?
Se analisarmos friamente a questão seremos forçados a deduzir que os islâmicos são uma ameaça para a fé cristã, pois desde as cruzadas na idade média, ou mesmo antes disso, o islamismo soterrou tradições seculares de cidades e países cristãos. Recentemente grupos como o Estado Islâmico em sua divulgação midiática mostrou a extrema intolerância para com a diversidade religiosa, assassinando cristãos e exibindo a carnificina de modo triunfante. Sim, respondendo a pergunta de modo frio, eles são inimigos da fé cristã nesse particular. Mas existe um lado desse embate que precisamos considerar, a mesma Bíblia que fala dos inimigos do Evangelho é a mesma que menciona o amor aos inimigos.

Foi no contexto de como tratar o nosso próximo que o Senhor mencionou a parábola do bom samaritano (Lucas 10.25-36). Na parábola somos informados que o samaritano, um povo inimigo dos judeus, auxiliou um homem que provavelmente era um judeu, após esse ter sido espancado e assaltado, ficando a beira da morte. A ênfase na parábola não reside somente nas boas ações do samaritano ao cuidar e prover para o homem, mas no fato de aqueles que eram ligados a verdadeira religião, o sacerdote e o levita terem “passado de largo” diante do sofrimento do homem. Evidentemente tal ênfase tencionava mostrar que as ações de alguém odiado como o samaritano, seriam consideradas como se fossem essas pertencente ao povo eleito, pois eram dignas do evangelho, ainda que o contexto não mencione doutrinas como a justificação, eleição ou santificação do samaritano. Para o Senhor as ações desse homem revelam o real entendimento do Evangelho como amor ao próximo e aos inimigos, logo servem de referência para nós no tema que estamos abordando.

Não importa tanto se eles são capazes de nos matar. O Senhor espera uma postura distinta nos cristãos. Aqui não estou questionando o direito à guerra legítima, fato que já estive abordando aqui em outra ocasião, mas como reagirmos diante daqueles que não conhecem coisa alguma senão a linguagem do ódio. Eles foram ensinados que deveriam reagir aos cristãos, odiando seus valores e condenando tudo o que tivesse uma conotação cristã. Nos países cristãos podemos mostrar que ações pautadas nas Escrituras realçam o verdadeiro Evangelho. Logo, não devíamos evitar o confronto, mas estarmos dispostos a “correr” certos riscos para vermos nossa obediência ao Evangelho sendo posta em prova.

Os valores ocidentais estão sendo ameaçados
Entendo que o avanço islâmico sobre a Europa é até irreversível. Na realidade o envelhecimento da população europeia, contrastando com a alta taxa de natalidade dos islâmicos tende a fazer com que os islâmicos sejam mais bem sucedidos, em longo prazo, no sentido de sepultar a cultura ocidental em alguns anos. Além do fato do estabelecimento secular da sociedade europeia contribuir diretamente para o seu declínio em poucas gerações.

A não ser que algo seja feito para reverter esse quadro e isso seria um movimento soberanamente administrado pelo Senhor e não produzido por homem algum como um reavivamento, a situação da Europa é deveras preocupante. Logo, usar essa desculpa para exterminar os inimigos do ocidentalismo não é suficiente. Só posturas que tem a ver, sobretudo, com o retorno da religiosidade dos europeus para os valores cristãos poderiam frear o avanço islâmico. As armas podem até fazer algum efeito, porém, não produzirão grandes resultados. Em minha opinião é necessário que aqueles que ainda guardam fidelidade ao Senhor em solo europeu, busquem viver o evangelho de forma plena, de maneira que isso possa ser aprovado por Deus. Quem sabe com isso, no futuro, tenhamos um derramar de Deus sobre os europeus e também sobre os refugiados.

Alguns bons exemplos disso está ocorrendo na Alemanha. Recentemente em uma reportagem do portal Gospel Prime, relatou o crescimento da igreja alemã contando principalmente com pessoas provenientes de países muçulmanos. Esse quadro pode significar uma mudança de rumo no cristianismo europeu, mas também pode não ser garantia alguma de que seja algo concreto. O fato é que o Senhor continua a usar o Evangelho para mostrar a sua graça a povos excluídos, como são no momento os refugiados na Europa. Ainda que o continente lhes abra as portas, ainda assim são vistos como povo de segunda classe, uma mera força econômica que ajudará a Europa a avançar economicamente.

O papel da igreja para com os refugiados
Várias ações podem ser desenvolvidas no sentido de glorificarmos a Deus em um empreendimento missionário que tenha como foco os refugiados. Analisemos quais dessas ações podem ser feitas:

1.   Proclamar o Evangelho aos refugiados. Muitas dessas pessoas seriam inacessíveis se elas continuassem a residir em seus países. Geralmente muito fechados no contexto religioso, pois contam com uma rede interminável de observadores que perseguem os cristãos de modo a leva-los a tribunais, desestimulando os cristãos em proclamar a fé nesses locais. Ao virem para países cristãos essas pessoas são mais suscetíveis à proclamação, pois essa rede de observadores não tem o mesmo efeito. Mesmo a perseguição é diminuta, pois isso só ocorreria em seu grupo étnico e não afetaria completamente os novos convertidos.
2.   A preparação de missionários para o envio aos seus países de origem. Ainda que saibamos que ao enviar missionários cristãos a países de origem muçulmana seja praticamente inviável, aqueles que são da mesma origem racial desses países seriam mais efetivos em suas ações nesses países. Pessoas identificadas com a cultura ocidental teriam dificuldades de adaptação nesses lugares, bem como, seria logo identificados, sendo alvo fácil para a perseguição dos nativos. Aqueles que forem preparados para retornar ao seu contexto podem muito bem sofrer perseguições semelhantes, mas serão mais efetivos em curto prazo, podendo dessa forma implantar a semente do evangelho mais prontamente. A preparação acadêmica desses irmãos depende do empreendimento dos mestres que existem em nossa cultura, que devem ser sensíveis a um contexto tão amplo e desafiador.
3.   O envolvimento social da igreja. As igrejas também podem se envolver de modo a contribuir com o governo e outras organizações no sentido de dar assistência aos refugiados. A prática cristã, sem dúvida alguma, é melhor exercida no dia a dia, submetendo o evangelho que cremos a testes diários de rejeição e indiferença. Sentimentos que nos fazem ter a certeza de que enquanto existir a oposição existe ainda muito campo para se trabalhar.
4.   A promoção de uma cultura de paz. Os cristãos não deveriam engrossar o discurso racial fervoroso desses certos movimentos “ultra nacionalistas”. Ainda que isso possa ser confundido com zelo pela cultura e ideologias aceitáveis, eles inflamam nossa conduta para com o nosso próximo e certamente nos impede de pormos em prática os princípios cristãos de amor ao próximo e ao nossos inimigos.


Nossa conduta revelará a nossa compreensão do Evangelho
Finalmente, não podemos nos silenciar diante de mundo em tão grande queda. Deus nos tem chamado a vivermos o Evangelho com todos os desafios e dificuldades em nossa geração. Assim como em outras épocas, os cristãos atuais precisarão se pronunciar diante desses desafios. Devemos fazer isso não somente porque é um tema atual, mas porque pessoas estão morrendo em travessias perigosas pelo mar. Estão se radicalizando em guetos das grandes cidades europeias e se tornando terroristas e isso tudo debaixo dos nossos olhos. Enquanto tentarmos tão somente nos proteger isso não nos fará levarmos o evangelho as suas consequências missionais. Viver conforme os princípios do Evangelho são nosso desafio para hoje e para qualquer época. Que não sejamos omissos com respeito a nossa responsabilidade, amém.




[1] Estima-se que algo em torno de 11 milhões de sírios buscam refugio atualmente.
[2] Jihad é um termo árabe que significa “luta”, “esforço” ou empenho. É muitas vezes considerado um dos pilares da fé islâmica, que são deveres religiosos destinados a desenvolver o espírito da submissão a Deus. O termo jihad é utilizado para descrever o dever dos muçulmanos de disseminar a fé muçulmana.

sábado, 27 de agosto de 2016

Desapontados com a igreja

Estou certo de que nunca deveríamos nos ver desapontados com a igreja de Cristo. Afinal de contas ela é a Igreja do Deus vivo, coluna e baluarte da verdade, a assembleia dos fiéis, a colônia do Reino de Deus neste mundo. Porém, um fenômeno bem comum em nossos dias é a decepção com a igreja, desde os movimentos como os "desingrejados" e pessoas que simplesmente não conseguem se ver de forma confortável no corpo de Cristo. Algumas explicações talvez nos ajudem a entender esse fenômeno comportamental tão perceptível em nossos dias:

Desapontados com os líderes eclesiásticos  
Em geral essa decepção tem a ver com a dificuldade encontrada nos líderes eclesiásticos em reproduzirem o modelo de liderança esboçado por Cristo. Nesse aspecto existem uma enormidade de exigências onde aqueles que deveriam pastorear o rebanho de Deus são indiscutivelmente incapacitados. Nenhum pastor deve ter a pretensão de se equiparar a esse modelo altíssimo, porém, os princípios dessa liderança devem nortear o ministério cristão. Esse padrão ministerial só pode ser identificado ou buscado por aqueles que conseguem ter uma visão bíblica acerca do ministério cristão, ou seja, essas pessoas são geralmente mais experimentados na fé cristã, pois também conseguem ver que nossas fraquezas podem ser supridas por um chamado obediente e fiel, mesmo que jamais sejam completos em si mesmo. Aqueles que alcançam essa condição conseguem ver que seus pastores não são perfeitos e que por essa razão eles devem estar dispostos não somente em permanecer na igreja onde os pastores não são perfeitos, mas que também devem ajudar a sua liderança no desenvolvimento de uma igreja que possa avançar para os propósitos escriturísticos, conforme ensinado na Palavra de Deus.  Isso fará desenvolver também o companheirismo cristão, onde líderes e liderados se ajudem mutualmente para glorificar a Cristo com seus dons e fraquezas.

Mas há também aqueles que não conseguem analisar o ministério por essa perspectiva, mas talvez movidos por ideias contrárias às Sagradas Escrituras, atribuíram aos seus mentores espirituais características contrárias a aquelas necessárias no ministério bíblico. Esses talvez foram atraídos pelo culto à personalidade, o entendimento de dependência desses líderes para reger as suas vidas espirituais, bem como confiaram nestes no sentido de vê-los como padrão de sucesso, conforme a maioria das igrejas que assimilam a teologia da prosperidade. Esses que se viram admirando esses ministérios perceberam que as expectativas postas sobre esses homens se mostraram como algo inexistente. As aspirações eram grandes em demasia e os seus líderes estavam longe da mensagem que pregavam, por essa razão deixaram as suas igrejas para talvez procurar por algo que de novo os cative e os faça sentir as mesmas aspirações inalcançáveis que outrora depositaram naqueles.

Desapontados com a vida religiosa 
 A vida cristã que, a princípio foi posta de maneira cativante diante dos seus olhos, não provou ser algo para empreender uma jornada a longo prazo. Muitas pessoas entram na igreja por que estavam passando por momentos críticos. Elas se afeiçoaram a mensagem da graça pregada nas igrejas que as fazeram buscar de imediato uma solução para os seus problemas e alguns, de fato, conseguiram esse lenitivo. Cristo, então, recebeu o status de solucionador de problemas como desemprego, frustrações amorosas ou em problemas familiares. Enquanto as pessoas estavam, talvez vivendo os piores momentos de suas vidas, elas encontram na mensagem cristã um paliativo para se verem livres dessas crises, mas tão logo as crises foram arrefecidas ou resolvidas, esses deixaram de ver a fé cristã como útil ou eficaz. Ficar na igreja depois de ter resolvido os problemas pareceu ser desnecessário, por isso elas abandonaram a fé ou mesmo permaneceram apenas como se quisessem satisfazer uma obrigação, algo como uma gratidão forçada e nada mais. Permanecem no rol de membros de suas igrejas, porém, há muito já não sentem nenhuma vivificação espiritual e não conseguem se manter adequadamente encaixadas nas demandas da fé que se lhes apresentam de forma rotineira. Chega a ser uma apostasia parcial, pois deixaram a Cristo no coração, ficando apenas por mera questão geográfica.

Desapontados por não verem suas perspectivas sendo satisfeitas 
Outros são mais práticos, pois vieram para a igreja para serem supridos em demandas bem definidas como sucesso econômico, realização pessoal e outras. Durante o tempo que permaneceram na igreja tiveram bons momentos onde puderam ter um pouco dessas expectativas supridas e quando as conseguiram viveram felizes com a sua fé, mas quando essas demandas foram aos poucos chegando a um nível razoável de acomodação ou de realidade eles simplesmente abandonaram o entendimento de buscar essa satisfação no corpo de Cristo e migraram, interesseiramente para algo mais atrativo ou fora da igreja em algum segmento que lhes pudesse satisfazer em suas expectativas egoísticas. Esses de fato saíram geograficamente das igrejas e hoje permanecem à margem de uma vida religiosa aceitável. Criticam a tudo que tem algum tipo de identificação com a igreja, pois veem a igreja como um ambiente falho durante o momento que permaneceram por lá, por isso são ferrenhos opositores de uma vida eclesiástica saudável.

A verdadeira estabilidade espiritual na igreja
Não podemos negar que nem sempre estamos convencidos das nossas reais motivações quando procuramos uma igreja. Realmente alguns de nós procura a igreja para resolver problemas que nos afligem e por motivos corretos ou não o discurso religioso nos atrai. Porém, manter essa perspectiva quando conhecemos o evangelho genuíno é algo realmente contraditório. O Evangelho tem como objetivo, em algumas ocasiões, frustrar muitas de nossas expectativas arrogantes. Somos confrontados com nossa real noção de nós mesmos e isso pode nos levar a considerar como estávamos longe de um patamar aceitável de uma visão de nós mesmos. Estar na igreja pode nos levar, na prática, a lidar com conflitos internos e externos que na filosofia do mundo onde vivemos jamais foi concebida da perspectiva bíblica que nos fará a compreender nossos dilemas. Mesmos nos dias da carne do nosso Senhor Jesus Cristo, multidões o procuravam por motivos interesseiros e muitos até mesmo queriam segui-Lo apenas para serem satisfeitos em demandas infindáveis e pecadoras. Hoje não é diferente. A ingratidão ou abandono de igrejas bíblicas é perfeitamente compreensível e esse fenômeno tende a crescer naqueles que se fundamentaram por essas razões. Graças a Deus que a igreja ainda consegue atrair pessoas como nós que mesmo que tenham vindo a ela por motivos não muito razoáveis, ainda sim encontraram o sentido para as suas vidas aos pés de Cristo. Que a igreja continue a destruir impressões erradas que a eleição divina continue a separar o joio do trigo, mesmo nesses dias confusos.