sábado, 12 de outubro de 2013

A exposição da Palavra e sua solidão


O ministério da Palavra de Deus é um ministério solitário. Essa preposição não é algo "apocalíptico" para aqueles que almejam tal labor. É verdade que existem pregadores atualmente que conseguem grandes números em sua audiência, que conseguem levantar grandes multidões em torno de si, mas que no entanto, deixam-se persuadir meramente com os números e não com a fidelidade bíblica na exposição. Concordo que existam grandes pregadores fiéis em nosso tempo e que muitos deles sabem o que é ficar sozinhos quando defendem alguma grande verdade evangélica preterida por nossos dias, mas o que estou dizendo é que ser um pregador da Verdade com essa ânsia numérica é algo bastante desafiador. Na minha opinião o pregador não devia se importar demasiadamente com recursos persuasivos para fazer a sua audiência mais suscetível a algum tipo de convencimento, mas sim em buscar a emancipação do espírito dessa época, que autoritativamente clama por "pastores de sucesso", que repudia os ministros de campos pequenos, como se esses não pudessem ser homens aprovados pelo simples fato de não terem a "reputação" tão pretendida por muitos.

Outra questão importante é que o fato de estarmos em pequenas congregações não nos deveria permitir que olhássemos como objetivo o pastorear grandes rebanhos. Não que eu ache que seja necessário termos pequenas igrejas, como se esse fosse o fardo de todo pastor bíblico, mas que devêssemos nos contentar com aquilo que o Senhor nos confiou, mesmo que isso implique em ser praticamente desconhecido pastoreando uma igreja pequena. Existem grandes oportunidades em uma pequena congregação, que o pastor fiel pode e deve se utilizar quando realiza seu ministério aprovado. Ele tem mais tempo para admoestar pessoalmente cada irmão, numa exposição não apenas de púlpito, mas pessoal, ensinando a Bíblia de casa em casa, admoestando seu rebanho de maneira sóbria e atenciosa. Ele terá mais tempo para se dedicar ao estudo, deverá ler mais e deverá orar mais, uma vez que faça o trabalho de uma maneira mais objetiva e particular. 

A pregação da Palavra para todo ministro, seja ele pertencente a uma igreja grande ou pequena deveria ser feita debaixo de algumas práticas bem salutares, tanto para o ministro quanto para a igreja que ele pastoreia, vejamos algumas delas nessa breve consideração:

A Palavra é a Palavra de Cristo
Não estamos em frente do nosso povo para pregarmos nossas próprias palavras. Estamos diante de nossos irmãos como um arauto, que fala as Palavras do Rei aos seus concidadãos e não como se fossemos o próprio rei em pessoa. Tenho notado, infelizmente em nossos dias que alguns pregadores são, de fato, grandes oradores. São homens hábeis em entreter o povo, em dizer-lhes coisas cotidianas, mas que quase nunca prestam às honras que a prédica merece, ou seja o lugar de honra em nossas considerações quando estamos diante do povo que Deus nos confiou. Quanto a isso gostaria de lembrar as seguintes palavras do apóstolo Paulo: "Eu, irmãos, quando fui ter convosco, anunciando-vos o testemunho de Deus, não o fiz com ostentação de linguagem ou de sabedoria. Porque decidi nada saber entre vós, senão a Jesus Cristo e este crucificado. E foi em fraqueza, temor e grande temor que eu estive entre vós. A minha palavra e a minha pregação não consistiram em linguagem persuasiva de sabedoria, mas em demonstração do Espírito e de poder" (1Co 2.1-4). Aqui o apóstolo revela qual foi sua abordagem diante de homens de origem grega, acostumados com grandes oradores, que naquela ocasião desejavam ver o Evangelho sendo pregado com a mesma técnica daqueles homens, algo totalmente renunciado por Paulo. Perceba que nessas palavras o apóstolo escolhe não fazer tal coisa, ou seja, pregar com "ostentação de linguagem", algo que sem dúvida ele tinha condições, porém escolhe não fazer em razão do seu compromisso com "o Cristo crucificado".

Acho que temos muito o que aprender com esse exemplo. Temos que nos desvencilhar de toda e qualquer aspiração para o sucesso, de toda e qualquer situação que nos faça perder o objetivo da pregação, que é pregar a respeito de Cristo e esse crucificado. Qualquer pregação que não se enquadre nesses parâmetros não é de fato uma genuína pregação, pois diz muito pouco acerca de Cristo e muito acerca de quem prega, sendo assim um grande erro e um grande despréstimo para quem precisa se beneficiar da Palavra de Cristo.

A exposição nossa maior tarefa
Temo que nossa geração se acostumou com essa prédica existencialista e mística de nossos dias. Existem audiências que já se preparam para embarcar, misticamente, em uma jornada sem volta, através de uma pregação humanista. A audiência, entenda-se aqui igrejas, são extremamente suscetíveis a esse tipo de abordagem e quase ou nenhuma preocupação creditam à exposição. Nenhuma outra forma de pregar é tão importante quanto a exposição. Ela consiste em considerar acuradamente cada verdade enunciada no texto bíblico, procurando trazer a nós o real sentido do texto, o sentido pretendido pelo escritor sacro, que sem dúvida era a intensão do Senhor a nos deixar tais palavras. Para nos familiarizar com a exposição precisamos que uma verdadeira via de mão dupla seja estabelecida: A do pastor que deve se empenhar em conhecer detidamente a Bíblia, suas línguas, sua história, sua teologia e a igreja que deve também ser educada de modo a se preparar para ouvir apenas as Escrituras sem nenhum tipo de artifício que venha a prejudicar a sua absorção. 

Aqui reside a grande dificuldade, essa via é muito difícil de se estabelecer, e eu diria até mesmo muito dolorosa. Da parte do pastor que precisa se policiar quando à tentação de exercer um ministério pífio onde o estudo dedicado não lhe seja uma constante, onde as técnicas aprendidas durante o seminário nunca foram repensadas e adequadas à excelência de exposição. Nesse caso deve o pastor fazer uso de grande tempo de dedicação aos estudos, bem como ter o costume de investir parte dos seus recurso na aquisição de bons livros que o façam pensar teologicamente, de modo a instruir de maneira capacitada o seu povo. Acho também muito próprio a utilização de reciclagens, onde o obreiro seja enviado para cursos de pós-graduação e simpósios onde possa interagir com outros ministros, que conheça a realidade do campo como a nenhum outro e que seja instrumento de promoção de uma cultura bíblica em sua comunidade. Tais atribuições são realmente grandes, mas é necessário buscá-las, caso queiramos ser encontrados fiéis.

Quanto à igreja deve esta buscar manter uma excelência no púlpito e isso deveria ser tarefa dos presbíteros ou líderes de cada comunidade. É preciso conhecer aqueles que desejam se fazer ministros nessas comunidades, saber de suas experiências ministeriais, suas antigas igrejas, buscar conhecimento de sua reputação entre outros cuidados. Mas sobretudo deve-se buscar uma sucessão inspiradora do púlpito em qualquer comunidade. Isso se consegue fazendo com que a igreja seja saturada com a genuína pregação. Pouco a pouco a igreja acostuma com a exposição, ela percebe que o alimento que se é dado em seu púlpito realmente supre, realmente alimenta e realmente traz efeitos duradouros. Essa preocupação, do ministro e da igreja, afastará os lobos e as heresias e manterá a igreja em perfeita saúde espiritual. Remédio melhor do que esse não há e deve ser aplicado sem restrição.

Conclusão
Certamente é necessário que busquemos, o quanto depender de nós, fazer com que a Palavra de Cristo seja conhecida. Isso implica dizer que nem sempre o seremos. Que os homens lembrem-se mais do Evangelho do que de nós. Não deveríamos percorrer o caminho da fama quando buscamos a glória de Cristo. Deveríamos percorrer o caminho do servo humilde e inútil que não faz outra coisa a não ser buscar a honra e a glória do nosso Salvador. Nossas igrejas necessitam conhecer o "velho caminho" que caminharam todos os santos do passado, o caminho do Evangelho. Eles não conseguirão conhecer esse caminho a não ser que a verdadeira pregação seja poderosamente recuperada com fidelidade. Que Deus nos conduza a sermos qualificados para tanto e que nossas igrejas, perpetuamente, sejam orientadas e alimentadas com o santo Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo. Soli Deo Gloria!  

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

496 ANOS DE REFORMA E AS IMPLICAÇÕES DO MOVIMENTO REFORMADO PARA A IGREJA BRASILEIRA

Estamos no mês de outubro, mês que, mormente comemoramos o aniversário da grande Reforma do século XVI. Esse acontecimento que sem dúvida alguma é um marco para a igreja de Cristo, uma vez que nos libertou de inúmeras superstições, adquiridas aos montões durante séculos de obscurantismo, nos chamando ao caminho das Escrituras. Essa data deve realmente ser comemorada como um grande dia. Todas as honrarias ao Deus da história são insuficientes para mensurar tão grandes benefícios.

A Reforma teve seu florescimento na Europa depois que o monge Agostiniano Martinho Lutero contesta as práticas da igreja medieval sobre as indulgências. As intenções com as 95 teses não eram outras a não ser convocar a todos para as reflexões apontadas nestas teses, aliás, a prática em questão era muito comum e teria passado despercebida se não fosse a soberania de Deus conduzindo o movimento.

A Reforma não se restringiu apenas aos países europeus que alcançou, mas também teve seus reflexos em países que foram posteriormente colonizados pelos anglo-saxões, como os Estados Unidos, Canadá, Austrália e África do Sul. No Brasil tivemos algumas ocasiões onde as influências reformadas foram de alguma forma marcantes. Já no Brasil colonial os Franceses huguenotes tentaram estabelecer o calvinismo em uma empreitada que foi frustrada internamente entre os anos de 1555 e 1560. Naquela ocasião os pastores enviados por Calvino não conseguiram estabelecer a fé reformada em razão da dura oposição sofrida por membros da missão que ainda eram católicos romanos.

Outra tentativa foi o período holandês no Nordeste brasileiro. Esse período marcante em nossa história ocorreu entre os anos de 1630 e 1637. Apesar de se tratar de uma questão comercial, onde a prioridade era a conquista da região que produzia a cana de açúcar, também se tratou de um empreendimento religioso e esse foi à tentativa de se estabelecer a fé reformada na então colônia. Naquele período igrejas reformadas foram plantadas em todo nordeste e até mesmo os índios aderiram à fé e foram tratados com muito respeito, superior aos dos portugueses católicos.

Por fim, existe o período que vem até os nossos dias, onde podemos destacar o período conhecido como o das igrejas de missões. Destas igrejas que inicialmente evangelizaram brasileiros podemos destacar inicialmente os Luteranos (1817), Congregacionais (1855), Presbiterianos (1859) e Batistas (1871).

Desde então a população brasileira, conta em sua totalidade, com uma expressiva parcela de seus habitantes que professam ser de origem protestante. A grande maioria deles atualmente é de linha pentecostal, sendo a Assembleia de Deus a maior denominação desse segmento. Segundo estatísticas recentes, estima-se que em 2040 os protestantes serão a religião dominante no país, uma situação raríssima em qualquer lugar do planeta (veja reportagem aqui do site Exame.com). Nesta atual conjuntura, o que se espera da fé Reformada em nossa nação para os próximos anos, qual é o quadro atual? O que pode ser feito? Essas são as questões que procuraremos tratar neste post, sem tencionar ser exaustivo, mas buscando melhorar o debate.

 A FÉ REFORMADA PARA OS PRÓXIMOS ANOS

No artigo “Os calvinistas estão chegando” (veja aqui o post) publicado no blog O TEMPORA, O MORES, o reverendo Augustus Nicodemus ressalta o crescimento da fé reformada em todo o mundo e cita aquilo que já podemos perceber em nosso país, onde crescem grandemente o número de eventos que contam com palestrantes reformados e outros que são exclusivamente dessa linha, como a Conferência Fiel para Pastores e Líderes, que ano passado juntou aproximadamente 4.000 pessoas interessadas na fé calvinista, além de outros tantos que acessaram o link da Conferência pela internet.

Espera-se, com a adesão de jovens evangélicos, que até mesmo estão em igrejas de linha pentecostal, que estes sejam introduzidos ao conhecimento reformado. Isso se deve a imensa propaganda disseminada na internet através de blogs e vídeos do Youtube, onde pastores como John Piper, Paul Whaser e outros são imensamente visualizados por uma crescente gama de pessoas que buscam saber um pouco mais sobre esses pastores e suas convicções. Nas igrejas que foram plantadas sob a perspectiva reformada também vemos avanços bem significativos, como o crescimento dos batistas reformados e dos presbiterianos que constantemente são despertados para suas antigas doutrinas. No nordeste brasileiro atualmente vemos o crescimento de grandes eventos relacionados à fé reformada, como por exemplo, o Congresso de Consciência Cristã realizado nos feriados de carnaval em Campina Grande-PB e o Congresso dos Puritanos realizado em Alagoas. Recife, no Estado de Pernambuco, parece também entrar nesse cenário, recentemente o Seminário Presbiteriano do Norte (SPN) vem realizando eventos que contam com um grande número de pessoas, ao exemplo, o Congresso de Aconselhamento Bíblico ocorrido no mês passado na capital pernambucana.

Todos esses eventos provam a vitalidade da fé reformada em denominações protestantes e em diferentes regiões de nosso país. As perspectivas são animadoras e certamente a influência reformada nos setores evangélicos do nosso país podem até mesmo se estender com o entendimento de que é possível influenciar biblicamente todo esse cenário, com a firmeza doutrinária adquirida durante tantos anos de Reforma Protestante.

A POSTURA NECESSÁRIA

Entendo que ainda estamos muito insipientes em toda a obra reformada em nosso país. Já contamos com inúmeras instituições de peso como editoras, seminários, conferências e outros tantos avanços que fazem da fé reformada um seleiro constante de estudiosos que crescem em conhecimento e ajudam a manter um nível elevado de debate, porém resta-nos estabelecermos nossas instituições teológicas. São extremamente necessárias medidas que concretizem os cursos de pós-graduação para os bacharéis em teologia, que não se concentram apenas nas regiões mais abastadas de nosso país, para isso é necessário que nossos teólogos busquem desenvolver essas regiões, fortalecendo os seminários e proporcionando uma administração menos burocratizada e com maior sensibilidade às necessidades regionais.

Compete às nossas denominações uma postura mais firme sobre a profissão dessa mesma fé, uma vez que muitos insistem em buscar a aceitação de setores que não andam nessa perspectiva e muitas vezes tomam decisões políticas, tratando de questões de grande urgência como a doutrina do culto com evasivas e artimanhas retóricas que nem sempre buscam a fidelidade doutrinária. É dever de nossas igrejas extirpar essa “politicagem” e fazer prosperar uma postura mais comprometida com a fidelidade das Escrituras, pois, assim sendo, teremos como falar de uma verdadeira Reforma, pois essa não acontece apenas com Conferências, Editoras e Instituições, mas com homens piedosos que sejam havidos na educação, mas também em piedade. Sendo instrumentos em suas denominações e que isso seja refletido nas decisões conciliares, sem dúvida isso traria inúmeros benefícios para as mesmas, bem como para o povo que saberá que linha seguem suas denominações, ao invés de acolherem setores pragmáticos e heterodoxos que danificam o Corpo de Cristo.

Devemos favorecer o acesso de livros a população leiga. Precisamos estudar uma maneira de baratear os custos dos livros reformados em nosso país. É necessário que as editoras estejam dispostas a investirem em escritórios regionais ou mesmo lojas em cada região do país, pois os preços cobrados pelo frete pela estatal de Correios encarecem os livros em mais de 20% e isso é muito desestimulante.

É preciso também romper com as “panelas de influência”, pois muitos pensam que ser teólogo reformado é ter aceitação de pessoas de grande influência nesse setor. Isso não nos ajuda no debate teológico, mas centraliza o mesmo em pequenos grupos e isso não faz desenvolver as diferentes perspectivas reformadas. É necessário que nossas denominações favoreçam o acesso a cursos de pós-graduação, permitindo algo mais descentralizado e que invistam recursos nesses cursos. Muitos pastores de pouca condição financeira desejam participar desses empreendimentos, mas muitas vezes são impedidos de chegarem ao propósito acadêmico pelas condições financeiras limitadas do ministério.

CONCLUSÃO


Termino dizendo que o quadro é animador, porém desafiador. Temo que em nosso país apenas uma pequena elite tenha acesso à fé reformada, enquanto que uma grande massa de pessoas, espalhadas nas pequenas cidades e longe dos grandes centros, ainda tenham que conviver com a ignorância de alguns pastores e líderes quanto aos princípios que incendiaram o mundo há quase cinco séculos atrás. Podemos estar perdendo a oportunidade de ampliarmos nossas cercas. Temos recursos e material humano, mas precisamos focar no que queremos, ou seja, influenciar o maior número possível de pessoas e fazer com que nossa fé, realmente seja algo acessível e menos elitizada. Conclamo as grandes denominações protestantes a fazerem seu papel, bem como as editoras e instituições de ensino a também se engajarem. Temos muito ainda para fazer em nossas igrejas locais, mas é necessário um maior empenho de todas as partes, pois precisamos continuar a obra que nossos pais reformados iniciaram. Que Deus abençoe a Reforma em nosso país e que ela verdadeiramente ocorra em toda a sua excelência o quanto antes. Soli Deo Gloria!