domingo, 6 de julho de 2014

Refletindo em meu artigo “o que podem cantar os cristãos miseráveis?”


Refletindo em meu artigo “o que podem cantar os cristãos miseráveis?” – (Reflections on “What can miserable christians sing?”) Dr. Carl Trueman[1]

De todas as coisas que eu escrevi meu pequeno ensaio “O que podem cantar os miseráveis cristãos?” tem proporcionado para mim uma prazerosa surpresa ao longo dos anos. Eu o escrevi em aproximadamente 45 minutos, numa tarde, enfurecido com um comentário superficial sobre adoração que eu tinha ouvido falar, mas que já andava esquecido por mim há algum tempo. Esse pequeno ensaio que tomou minimamente tempo e energia deste autor, tem atraído muitas respostas positivas e algumas comoventes correspondências com outros irmãos, do que qualquer outra coisa que escrevi desde então. Esse artigo ressoou até mesmo em pessoas que estavam do outro lado do cristianismo, pessoas de diferentes igrejas e contextos tinham algo em comum: o entendimento que a vida pode ser triste, melancólica, ou mesmo uma dolorida dimensão a qual também ignoramos e algumas vezes também negamos em nossas igrejas.

O artigo visava destacar o que eu tinha observado como a maior dificuldade da adoração cristã. Uma deficiência que é evidente em tantas tradições e abordagens contemporâneas: Uma lacuna na linguagem do lamento. Os salmos, a Bíblia, até mesmo os hinários contém muitas notas de lamentação. Refletindo sobre a natureza da vida cristã num mundo caído. Mas, no entanto, choro e sofrimento são evitados em grande medida nos hinos e louvores da atualidade. A questão que se formou em torno do título do artigo foi um autêntico “O que está acontecendo com a hinódia de nossas igrejas?” Será que os hinos atuais podem honestamente serem cantados por uma mulher que perdeu seu bebê, o marido que perdeu a esposa, a criança que perdeu um dos pais, quando eles veem a igreja no domingo? A questão que sugeri foi que os Salmos contêm palavras inspiradas que permitem ao crente expressar a profunda dor e tristeza diante de Deus.

Será que eu escreveria algo diferente atualmente? Não substancialmente. Se houvesse algo que eu pudesse ampliar a aplicação daquilo que acredito ser mais importante agora do que era no tempo que escrevi. Tenho feito uma análise atual onde estimo que a igreja atual mantenha esse panorama, estou impressionado com a forma que o grande evangelho da soberania da graça está agora, frequentemente focado no mercado jovem e consequentemente empacotado com aquilo que é esteticamente poderoso e mundano do mundo das celebridades, da busca superficial de abordagens para a vida que demonstram a infantilidade e a imaturidade. Coisas que eram antes (e infelizmente não são mais) exclusivamente defendidas pelos proponentes do evangelho da prosperidade, agora caracteriza o ensino regular no círculo evangélico sem comentário ou crítica. O mundo realmente virou de cabeça para baixo quando mesmo o calvinismo tem sido em alguns lugares, conhecido pela pirotecnia arrogante e convencida.

E também eu, mas conscientemente agora do que antes, escrevo isso de forma ajuizada, considerando a morte e entendendo que a vida pode ser curta. Escrevo buscando a paz  e considerando isso em minha mente; sou agora velho e entendido de como se aplica para mim e para os outros que amo. Aquele que é velho, considera mais fielmente a perda de amigos e familiares e quanto mais se aproxima da própria morte, sente que esta não é meramente uma intrusa em sua vida. Como pai também, eu me regozijo com a primeira vez em que o meu filho conseguiu me superar em uma corrida de carros, mas o meu prazer está em seu crescimento constante e conforme o tempo foi passando percebi que isso mesmo era o sinal de minha própria convalescência.

O mundo diz-nos para desafiar tudo isso enquanto pudermos, seja pelos exercícios, imposições da moda e até mesmo uma cirurgia estética. Mas o mundo é mal e confiantemente plausível em malandragem, que nos diz aquilo que queremos ouvir. Fraqueza e morte vêm em seguida em última instância. É tarefa do pastor preparar a si mesmo e os demais para o inevitável. Assim, eu agora acredito que isso é mais importante do que o bem estar da igreja, se essa não demonstra a verdadeira adoração. De fato devemos olhar para a frente, para a ressurreição, mas nós, frequentemente nos esquecemos do percurso que devemos trilhar até ela, isso implica em considerarmos a própria morte. Nós necessitamos lembrar do nosso povo para que pregamos, que oramos por eles e que cantamos juntos. Que Deus faça nossa força se aperfeiçoar na fraqueza – é contemplando a ressurreição por meio de nossa fraqueza,  próximo à morte.

Desde que escrevi o texto original também me tornei mais consciente do poder da liturgia para moldar a mente de uma congregação cristã. Eu não estou falando aqui apenas das liturgias formais, como aquelas que estão no livro de oração comum da igreja inglesa. Refiro-me a forma e conteúdo de qualquer culto que se diz cristão. Aquilo que dizemos e cantamos como um povo cristão, isso vai, com o passar do tempo e de maneira sutil, imperceptivelmente, formar o nosso entendimento sobre a fé cristã e, portanto, deve dizer respeito à vida em geral em um caminho poderoso. É por isso que uma ênfase na estética poderosa da juventude talvez em alguns lugares possa ser chamado de “liturgias de poder e joviais” – estas são problemáticas. Elas excluem os velhos ou ilude-nos a pensar que nós não temos a idade adequada, essas liturgias também fazem os jovens errar, fazendo-os pensar que eles são o centro do universo, que estão destinados a viver para sempre. A liturgia precisa refletir as expectativas que nos fazem entender a vida em um mundo caído, que nos inculca e reforça aquilo que semana após semana, é importante como um meio para preparar o nosso povo para o sofrimento, que deve, eventualmente, pelo menos conhecer o caminho deste.

Isso nos leva novamente para o livro de Salmos. É verdade que há poetas cristãos e até mesmo escritores seculares que capturam, por meio de uma mensagem, as complexidades escuras da vida, mas não há nenhum que se compare com os escritores do saltério, que estabeleceram de maneira rica e com profundidade a experiência da vida humana, com uma linguagem poética perfeita. A igreja que faz com que os Salmos seja parte da alimentação regular espiritual, fornece ao seu povo recursos que nos ajudam a viver realmente nesse vale de lágrimas. Assim como a igreja que não o faz, nega perversamente a seu povo um verdadeiro tesouro, sem colocar nada no lugar. E isso em troca de quê, relevância? Não há nada mais universalmente relevante do que preparar as pessoas para o sofrimento e mesmo a morte. Tenho pessoas em minha congregação que tem vidas bem difíceis, vidas que estão caminhando para se tornar bem mais difíceis ainda com o passar do tempo. Para elas só tenho algo a dizer: o sofrimento vem para todos nós, mas existe uma ressurreição; ouça como as notas do presente lamento, que existem nos Salmos, são repletos de esperanças tangíveis, esperanças futuras para nosso encorajamento; o choro pode durar uma noite, esse é realmente doloroso enquanto estamos vivendo, mas a alegria virá pela manhã.

Quando celebrei um casamento de um jovem casal em minha igreja, há alguns anos atrás, eu comentei no sermão que todos os seres humanos que se casam começam essa fase com alegria, mas acabam com uma tragédia. Quer se tratando de um divórcio ou mesmo com a morte. O vínculo do amor humano acaba com o sofrimento. O casamento de Cristo e Sua igreja, no entanto, começa com uma tragédia e termina com a união alegre, amorosa que jamais poderá se romper. Há momentos alegres que podemos celebrar na adoração, como a alegria da festa do casamento do Cordeiro, mas nossos membros precisam saber que neste mundo haverá luto. Não o luto mundano sem esperança, mas o luto verdadeiro, no entanto, devemos estar prontos para isso.

Ainda assim como devo olhar para trás, para o artigo original: “cristãos miseráveis?” Eu nunca imaginei que ainda iria comentar em cima dele muitos anos depois. Eu sou grato por aquilo que parece ser uma ajuda e encorajamento para tantos.
  




[1] O Dr Carl R Trueman é pastor  Cornerstone Presbyterian Church, em Ambler, PA, EUA. Professor de História da Igreja no Westminster Theological Seminary também é autor de diversos livros.

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