terça-feira, 30 de novembro de 2010

Reparando as arestas - O poder público e a ação militar no Rio de Janeiro

Como todo brasileiro, nesses últimos dias estive acompanhando atentamente os desdobramentos da ação militar contra o narcotráfico no Rio de Janeiro. Algumas questões me chamam atenção e gostaria de observar de uma perspectiva crítica.
As Igrejas - Antes de comentar sobre o Estado gostaria de refletir sobre a participação das igrejas nas localidades dominadas pelo tráfico de drogas. Não sei qual é o problema, mas tenho ouvido que muitas das localidades possuem igrejas em suas comunidades e que muitas delas são de cunho pentecostal e neo pentecostal. Vi, nestes dias, que tenho assistido o noticiário, em uma reportagem da Rede Record, uma mulher que se identificou como irmã de um traficante chamado Eliseu, de vulgo Zeu, defender seu irmão e dizer que o mesmo não tinha feito nada. A mesma parecia crente, pois se vestia como uma e usava termos  usados no segmento. Ora, quanto a defender o irmão é direito dela, mas não ter uma visão do que é certo ou errado é deveras preocupante. Percebo quanto a isso, que existem inúmeras críticas quanto ao relacionamento destas igrejas e o tráfico de drogas, algumas questões precisam ser analisadas, e como não vivo nestas comunidades não sei qual é este o relacionamento. É sempre bom observar que o Estado se manteve distante por muito tempo e a igreja não podia esperar que o Estado retomasse o controle para só então evangelizar o morro. Sem dúvida para que existisse um convívio pacífico entre traficantes e igrejas algumas concessões tiveram quer ser feitas, desde a entrada no morro, o funcionamento das igrejas e assim por diante. Mas talvez o que mais me preocupa é o teor da pregação nestes lugares. Não posso dizer que a pregação era condicionada à permissão do "chefe da boca" e se os pastores abordavam assuntos como a sujeição ao Estado e assim por diante, algo que precisa ser esclarecido pelas igrejas que atuam nessas regiões. Sei que como vivendo em outro estado da federação, sem entender as implicações mais próxima não consigo discernir mais de perto o fenômeno "troca de valores". Se a igreja entrou nesses lugares e não conseguiu mudar a perspectiva caída da comunidade acredito que a  igreja tenha falhado. Falhou também quando não conseguiu pregar, mas consideramos que é extremamente difícil pregar numa perspectiva de um poder paralelo, onde você corre risco de vida. Seja o que for, não faço o sensacionalismo de dizer que as igrejas tem relacionamentos estreitos com o tráfico, como já foi dito incessantemente pela mídia, mas gostaria de discutir isso mais detidamente procurando saber onde falhamos, quem sabe em outra oportunidade.
O Estado - Se tem algum órgão que tem que ser responsabilizado por tudo o que constantemente vemos no estado do Rio são os governantes e o Estado de Direito. Todos falam do início desse poder paralelo exercido pelos traficantes e retratado no filme Cidade de Deus, poder esse que teve seu início a mais ou menos 30 anos atrás, só que algumas perguntas devem ser feitas; onde estava o Estado naqueles dias? E onde estava o Estado nos anos seguintes? A derrocada do tráfico de uma única vez nessas comunidades aconteceu em pouco menos de dois dias, pergunto: Por que não fizeram isso antes? Se era tão fácil reunir os poderes federais e estaduais e forças preparadas, porque não usaram antes? Fica clara a inércia do poder público. Hoje eles são heróis por terem resolvido a situação, mas a uma semana atrás tudo estava ocorrendo como se fosse a coisa mais natural do mundo. Penso que os pobres não são o lixo que os governantes pensam que são, apesar de viverem como se lixo fossem. Os traficantes não se tornaram heróis por acaso, eles era a única indicação de que havia uma ordem, mesmo com valores invertidos. Será que não é a hora de se discutir a pobreza de uma perspectiva mais humana e planejada pelo poder público? Anos de desamparo e abandono levam ao crescimento de poderes paralelos como os traficantes e as milícias que ainda estão atuando sem problemas em outras favelas do Rio. A participação do poder público é fundamental para a consolidação de uma comunidade, seja ela de classe baixa, média ou alta. Antes de favorecer o "asfalto", deve-se contemplar os morros, pessoas que não conseguem o mínimo para sobreviver e que por isso deveriam contar com o poder público.
A População - Esta sem dúvida é a parte mais sofrida da situação. Por longos anos eles viram seus filhos e vizinhos morrerem e serem soldados do tráfico. Por longos anos acostumaram a pedir ordem para os meliantes e assim viveram sem conhecer leis simples que norteiam qualquer cidadão. Pedir que estes agora venham mostrar o seu rosto e fazer apaixonados discursos favorecendo a ocupação do morro é pedir demais. Demanda tempo o entendimento dos direitos básicos que eles nunca tiveram. Muitos já estão se desvencilhando dos antigos conceitos e já começam a se manifestar. É preciso enraizar conceitos éticos nesta população e a igreja tem um papel fundamental nisso.
Concluo dizendo que fico feliz pela retomada do poder, antes isso nunca tivesse acontecido, mas foi preciso ser feito da forma que foi. É bom para a imagem do país, antes visto como um covil de salteadores e antro de prostituição. Quem sabe os "gringos" também vejam que o nosso país tem ordem, tem leis e passem a nos respeitar mais. Foi bom por um ponto, mas grandemente degradante em outros. Quanto a imagem que nutro pelo Rio é ainda de muita admiração e de grande expectativa, que Deus conceda que seus habitantes possam conduzir da melhor forma tal momento para esquecer e que retomem as suas vidas só agora vivendo debaixo de leis que norteiam beneficamente a todos os brasileiros.

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