segunda-feira, 5 de abril de 2010

A Responsabilidade Humana


Que tendes vós, vós que acerca da terra de Israel, proferis este provérbio, dizendo: Os pais comeram uvas verdes, e os dentes dos filhos é que se embotaram?
(Jeremias 18.2)

O presente texto acima nos mostra um adágio popular em Israel nos dias do profeta Jeremias, segundo o qual a idéia da retribuição punitiva de Deus alcançaria as gerações futuras, como se o Senhor fosse um deus iracundo e cruel que não levasse em consideração a justiça e a retidão.
Tal profecia esclarece o modo pelo qual Deus desenvolve seus métodos justíssimos no trato com o pecado e com o pecador. Tendo isso em mente estaremos realçando quais são as implicações deste esclarecedor texto sacro, uma vez que nós como calvinistas, muitas vezes somos acusados injustamente de sermos fatalistas por nossos opositores. Escutemos o que diz a Palavra e dela tiremos nossas conclusões.
O verso 2 e verso 3 servem como uma introdução do assunto a ser ventilado. Mostra o quanto Deus entendia que este ditado distorcia o conceito de justiça a Ele aplicado e o quanto uma idéia equivocada do Senhor pode perverter a fé de alguns incautos. Por esta razão estes dois versículos demonstram o repúdio de Deus quanto a esses boatos maliciosos que depreciavam a Sua imagem.
No verso 4 o Senhor começa a demonstrar a Sua própria exposição a respeito do tema indicando que a Sua justiça é acima de todo o padrão moral imposto pelos homens porque todas as almas de todos os seres humanos lhe pertencem por natureza. Como digno Criador de todas as coisas o Senhor arroga para si o direito único de legislar sobre as suas criaturas e súditos. Isso é demonstrado de maneira a enfatizar que tanto a alma do pai como a do filho lhe pertencem. Isso indica a possessão perpétua de todos os filhos dos homens e no caso contemplado, ao povo de Sua Aliança como súditos e servos. Também no verso 4 Ele indica um refrão repetido no texto em foco, “a alma que pecar, essa morrerá”.  Isso contraria definitivamente a argumentação do adágio judaico e demonstra como a justiça divina alcança individualmente os seres humanos de forma justa e eficaz.
A partir do verso 5 até o 9 Ele nos indica como e de que maneira Ele requer a retidão, dando exemplos claros de uma alma pia e justa. Começando pelo o que é dito no verso 5 vemos a declaração “o homem justo e fazendo o juízo e justiça”. Parece, um tanto quanto redundante tal uso de palavras, mas não é precisamente isso que o Senhor tenciona e a ordem das palavras diz muito para esclarecer o que Ele tenciona mostrar, ou seja, a primeira expressão é diretamente derivada das procedentes, significa que alguém justo usa do juízo e da justiça para efetuar um caráter justo. A questão do juízo tem a ver diretamente com a prática dos preceitos do Senhor, de como se comporta um verdadeiro servo do Senhor seguindo os Estatutos da Lei e do Evangelho. A última palavra justiça denota este caráter renovado, direcionado pelo Espírito de Deus e contemplado pelos homens. Portanto, este verso também introduz algo ventilado a posteriori, ou seja o caráter mencionado mais adiante.
A partir do verso 6 se observa uma série de manifestações deste caráter aprovado. Ele indica que este homem aprovado não pode comer carne sacrificada (algo condenado também no concílio de Jerusalém em Atos 15.29). Nesta época havia o costume de se invocar deuses estranhos em Israel, a presente expressão atenta para esta consideração quando menciona o “comer” nos montes, prática repudiada por Deus, como o Deus da Aliança, o proprietário do Seu povo escolhido. Aquele que assim se comportava dava claros indícios se sua rebeldia e apostasia, portanto não podia fazer parte do povo de Deus, nem tão pouca ter uma conduta elogiada por Deus. A mesma questão da idolatria também é tratada mais adiante quando o Senhor fala sobre o olhar para os ídolos da casa de Israel, certamente isso não quer indicar o mero ato de ver em si, mas o fato de cultuar o ídolo, no intuído de recorrê-lo para alcançar algum favor. Tal atitude como pecado notório deveria ser punida, por esta razão este homem não poderia manifestar um caráter aprovado. Outra recomendação para se ter um caráter aprovado é não se contaminar com a mulher do próximo, essa declaração também explicita no decálogo (Êx 20. 1-17), visa estabelecer a pureza do povo escolhido nas questões referentes a sexualidade, abominando e repudiando o adultério. A última declaração de um caráter reto no verso em questão é o achegar-se a mulher no período da sua menstruação. Isso tem a ver, semelhantemente ao anterior, com a pureza das relações íntimas, bem como preservar o povo de forma higiênica e segura, pois tal é o cuidado do Senhor para conosco.
No verso 7 vemos outras informações de como o Senhor exige justiça do seu povo. Ele começa o verso com retidão dos relacionamentos comerciais da nação escolhida. O verdadeiro servo de Deus deve em tudo observar as exigências morais impostas pela Palavra e até mesmo sobre questões comerciais deve reger-se por ela. No caso em questão, Ele aborda a condição de que o fiel é aquele presta serviços financeiros, que tem bens penhorados sob seu poder. Ele não deve incentivar a ganância do proprietário do penhor, mas fazer com que aquele que com poucas condições penhorou tenha plenas condições de reaver o bem penhorado, pois lhe pertence e as condições de pagamentos devem ser justas. Outra consideração ressaltada é questão do roubo. Toda e qualquer apropriação de bem de forma escusa constitui-se em furto. Seja o ato de usurpar algo de forma fácil, bem como o uso de empreendimentos no intuito de burlar a lei e adquirir fontes ilegítimas, seja do governo, seja de empresas e por ai por diante. Esta é uma prática muito comum nestes dias e tem sido a ruína de nossa sociedade, recebendo conseqüentemente a reprovação divina. A última questão mencionada neste texto é o caráter aprovado por meio da filantropia. O verdadeiro servo de Deus deve ser o mais diligente filantropo da sociedade. Infelizmente essa prática vem sendo soterrada por escombros de uma teologia altamente individualista, que pouco dá atenção a necessidade eclesiástica, tanto coletiva como individualmente de se fomentar a prática do auxílio aos mais necessitados. Principalmente em países como o nosso tão ineficaz nesta assistência é dever da Igreja viabilizar estas ações.
Novamente no verso 8 o Senhor retorna as relações comerciais dos seus súditos. Ele indica que alguém de coração reto não pode emprestar o seu dinheiro com usura, e com isso ele quer dar a entender que ninguém deve enriquecer-se de modo a tirar proveito de uma necessidade de outrem. Quem pede emprestado deve pagar o débito de maneira justa, sem o acréscimo de juros injustos e inviáveis de pagamento. No final do verso 8 ele aborda a conduta do servo de Deus de fazer a justiça de modo imparcial. Certamente esta exigência divina evoca os princípios que deveria ser defendido por todo jurista verdadeiramente justo, ou seja, ninguém deve ser favorecido diante da justiça, essa deve ser cega é imparcial. Algo muito esquecido em nossos dias nessa pátria tupiniquim.
Por fim o verso nove faz uma síntese do que fora dito anteriormente, ou seja, o servo de Cristo anda nos Estatutos do Senhor. Ele o guarda no coração (Sl 119.11) de modo a exercer a justiça por meio de uma mente renovada. Este por meio da graça infundida que o capacita a cumprir as exigências da Lei o torna justo é aceitável a Deus por meio de Cristo, de tal maneira que o habilita as venturas de um caráter aprovado, fazendo-o verdadeiramente digno habitante do Reino Celeste, justificado e amado, alcançando copiosas munificências do favor divino. Este receberá a benevolência da vida no lugar da condenação da morte, pela fidelidade alcança, graças à mediação do Salvador o Senhor Jesus Cristo.
A partir do verso 10 o texto sacro começa especular a respeito da possibilidade desse homem mencionado acima gerar um filho e este for transgressor e ladrão, ou até mesmo associado com estas práticas sem considerar os caminhos do seu pai. A partir deste versículo ele torna a repetir o que tinha dito acima a respeito das práticas que foram evitadas, entretanto, o filho em questão não as considera, tal argumentação prossegue até o verso de número 17.
Portanto, o caminho do filho deve ser totalmente independente do pai, assim como todos prestaremos contas de nossas ações pessoais. Antes de fazermos julgamentos precipatados sobre este texto é necessário analizá-lo a luz do seu contexto, assim sendo, observaremos que esse texto não fornece base para pregar-se um fatalismo, nem tão pouco pregar-se o arminianismo. Falta uma análise séria e por assim dizer compromisso com o significado real. Recuperemos este significado e entendemos o que o texto exige de nós.

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