quarta-feira, 23 de março de 2011

CALVINO E O DIREITO À GUERRA LEGÍTIMA

Rebeldes observam fumaça durante confrontos em Sidra, na Líbia (10/03)

A guerra na Líbia, país africano, vivendo sob o regime do ditador Muammar Khadafi, no poder desde 1969, quando o então líder revolucionário tinha apenas 27 anos de idade, foi invadido por uma coalizão, sob a liderança da França nestes últimos dias. Esta ação vem sendo bastante questionada por alguns países, inclusive o Brasil. Khadafi tem uma biografia marcada por conflitos internos, golpes de Estado, crimes de guerra e terrorismo. Diante dos eventos atuais é necessário então refletirmos sobre o direito legítimo à guerra, segundo o ponto de vista reformado, principalmente quando observamos o pensamento do reformador João Calvino quanto a isso. Baseado em suas considerações, documentadas em suas Institutas da Religião Cristã, abordemos o assunto da seguinte perspectiva:

O uso da força pelo poder civil.

Calvino em suas *Institutas é radicalmente contra as demandas injustas de classes isoladas da sociedade que pretendem conseguir o que querem pelo uso da força, ou pela intransigência de suas ações sectárias. Logo, ele não defende a anarquia de modo algum, mas o uso da espada da justiça pelo poder magistrado. Quanto a isso ele diz:

“É pois, fácil concluir que nesta parte eles (os crentes) estão sujeitos a lei comum pela qual, embora o Senhor ate as mãos de todos os homens, todavia não ata a sua justiça, que Ele exerce pela mão dos magistrados.” (XVI, seção X – pg 154)

A razão apresentada pelo reformador para o uso da força pelos magistrados é a contenção da impiedade, uma vez que aos mesmos cabe-lhes o dever de proteger a população. Neste caso, Calvino defende anteriormente que os magistrados devem legitimamente efetuar a justiça para a manutenção da ordem, sendo eles autoridades constituídas. Calvino ainda realça que não cabe ao cristão, ou a qualquer outro tal postura, visto que Deus o impediu de usar a força e a violência, mas apenas aos magistrados o uso desses meios, ainda que estes muitas vezes sejam cristãos fiéis.

Calvino, após considerar o poder que o magistrado civil deve ter, considera também o uso da pena de morte de modo a ratificar sua legitimidade. Para isso ele cita os exemplos de Moisés e Davi, que em algumas ocasiões foram usados pelo braço justo de Deus para sentenciar com a pena capital os transgressores. É por esta razão que em países de tradição calvinista é possível observar a aplicação da pena capital de modo a refrear a impiedade, dando a sociedade uma possibilidade de expurgar os detratores da ordem de um modo a puni-los com a força e com o braço da lei. É claro que aqui virão aqueles que pensam que este pensamento é deveras injusto e anti-bíblico, mas como argumentar quando em várias ocasiões no texto sagrado tal pena é infligida, mas no caso aqui defendido, não por indivíduos mas por leis justas e a devida aplicabilidade pelo magistrado.

A guerra justa segundo Calvino

Quanto ao nosso assunto em pauta, Calvino nos recomenda uma citação do filósofo Cícero que diz: “A guerra não deve ter outra finalidade, senão buscar a paz”. A partir daí o reformador defende o princípio calvinista da guerra justa, quando a impiedade ameaça um reino cristão e ditadores e monarcas caídos se colocam contra o Evangelho de Cristo, estes devem ser arrancados de sua posição que outrora gozava o status de braço de Deus, sendo então considerado como braço da impiedade.

É, portanto, dever do monarca ou reino constituído por Deus manter a ordem da nação que representa. Aqui uma nação, portanto, deve se fazer guarnecida de aparato estritamente militar, tanto para a defesa, quanto para o ataque. Sempre respeitando as leis estabelecidas para a guerra justa, princípio mais do que ratificado pelos órgãos interessados na solução de conflitos, inclusive a ONU. Portanto, é facultado a esta mesma nação, ameaçada por um inimigo, fazer alianças, naquilo que defende Calvino nesta consideração:

Desse direito de fazer guerras justas segue-se que as guarnições, as alianças e as munições civis são igualmente lícitas. Chamo guarnições os soldados postados nas cidades das fronteiras para preservação de todo país. Chamo alianças as confederações que unem príncipes vizinhos para se ajudarem mutuamente, caso haja problemas em seus territórios. (XVI, seção XIV – pg. 157)

Sobre o direito da guerra na Líbia

É necessário ainda considerar, de forma resumida, a situação vivenciada no país em loco, a Líbia. Este país, que reivindicou de forma justa leis mais democráticas em protestos pacíficos que foram reprimidos por truculentos atos de violência pelos soldados de Kadhafi tinha sua paz ameaçada por um regime tirano que lhe oprimiu por vários anos culminando nestas revoltas sociais. Falar de modo conivente com tais ações é no mínimo sujar as mãos de sangue, quando todas as tentativas de paz encerraram-se.

O povo Líbio merece um futuro melhor, ainda que este futuro seja incerto porque durante tantos anos não se sabe o que é oposição. É por esta razão que creio que a guerra que hora alocamos é uma guerra justa e que faz bem as nações envolvidas no conflito, dedicarem seus esforços na libertação deste povo. Este não é o primeiro, nem será o último conflito que questões como essas estarão envolvidas e quando houver outros devemos olhar para as implicações abordadas neste breve comentário. Nunca devemos ser a favor da violência em nenhuma instância, seja ela qual for, mas quando somos inquiridos se é legitima a ação, devemos buscar respostas que satisfaçam para que não sejamos levados ao erro. O legado calvinista certamente nos supre quanto a este respeito e rogamos a Deus a paz sobre o povo Líbio, paz que somente o Senhor Jesus pode trazer.  

*CALVINO, João. As Institutas da Religião Cristã. Editora Cultura Cristã, São Paulo, 2006.

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